sábado, 10 de maio de 2008
Achava que não podia ser magoada
Achava que não podia ser magoada;
achava que com certeza era
imune ao sofrimento —
imune às dores do espírito
ou à agonia.
Meu mundo tinha o calor do sol de abril
Meus pensamentos, salpicados de verde e ouro.
Minha alma em êxtase, ainda assim
conheceu a dor suave e aguda que só o prazer
pode conter.
Minha alma planava sobre as gaivotas
que, ofegantes, tão alto se lançando,
lá no topo pareciam roçar suas asas
farfalhantes no teto azul
do céu.
(Como é frágil o coração humano —
um latejar, um frêmito —
um frágil, luzente instrumento
de cristal que chora
ou canta.)
Sylvia Plath
Canção de Amor da Jovem Louca
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro
Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer
(Acho que te criei no interior da minha mente)
Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis,
Entra a galope a arbitrária escuridão:
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro.
Enfeitiçaste-me, em sonhos, para a cama,
Cantaste-me para a loucura; beijaste-me para a insanidade.
(Acho que te criei no interior de minha mente)
Tomba Deus das alturas; abranda-se o fogo do inferno:
Retiram-se os serafins e os homens de Satã:
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro.
Imaginei que voltarias como prometeste
Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome.
(Acho que te criei no interior de minha mente)
Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão
Pelo menos, com a primavera, retornam com estrondo
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro:
(Acho que te criei no interior de minha mente.)
Sylvia Plath
tradução de Maria Luíza Nogueira
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Ísis
E diz-me a desconhecida:
"Mais depressa! Mais depressa!
"Que eu vou te levar a vida! . . .
"Finaliza! Recomeça!
"Transpõe glórias e pecados! . . ."
Eu não sei que voz seja essa
Nos meus ouvidos magoados:
Mas guardo a angústia e a certeza
De ter os dias contados . . .
Rolo, assim, na correnteza
Da sorte que se acelera,
Entre margens de tristeza,
Sem palácios de quimera,
Sem paisagens de ventura,
Sem nada de primavera . . .
Lá vou, pela noite escura,
Pela noite de segredo,
Como um rio de loucura . . .
Tudo em volta sente medo . . .
E eu passo desiludida,
Porque sei que morro cedo . . .
Lá me vou, sem despedida . . .
Às vezes, quem vai, regressa . . .
E diz-me a Desconhecida:
"Mais depressa" Mais depressa" . . .
Cecília Meireles
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles
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